19 janeiro, 2007

Apocalipse

Apocalipse, começo do fim ou fim do começo, não sei bem. Sensação esquisita, medo, inquietação. Choro, adoeço. Te fiz chorar, não esqueço tuas lágrimas. Doem as tuas lágrimas, mais do que as minhas, que controlo, ao meu modo, faço-as descer num ritmo mais lento, mais compassado, ou ficarem em pausa, dentro dos meus olhos, mesmo quando estão ávidas para molhar rosto abaixo. Mas as tuas, não posso controlar e isso dói muito... A dor da gente é doída mesmo, sem fim. Mas que dizer da dor de quem a gente ama? É algo que está dentro, bem lá dentro, latejando fundo, e ao mesmo tempo está tão fora do nosso alcance...
Choro hoje por não saber direito de mim. Choro mais ainda pelo seu choro. Estou em tom menor, triste, acordes tensos, que preparam, preparam e não chegam logo àquela parte da harmonia em que o som relaxa, as notas descansam, leves, límpidas...
Ainda não sei que música é essa...Mas há de chegar o compasso em que as nuvens se dissiparão e eu verei que cara tem essa melodia, e poderei dar um nome a ela....Quem sabe, até lá, suas lágrimas também já tenham se cansado...


De mala e cuia

Hoje me coloquei de mala e cuia e roupas e vida dentro das malas e lá vou eu. Estação Trianon Masp, Avenida Paulista, correria, buzinas, túmulo do samba, novos baianos passeando, garoa, deselegância discreta, povo oprimido em filas, São João, Ipiranga, Consolação e outras milongas mais. E que os deuses me auxiliem em Sampa e que aquietem meu coração, tenso, apertadinho. ..
Hoje a chácara dos meus pais ficou mais gostosa, os meus cachorros mais engraçados que nunca e a comida da minha mãe ainda mais gostosa. Começo a sentir saudades até do que não existe por aqui. Já morei fora muito tempo mas agora, não sei, agora é diferente. Isso é bom. E isso é amedrontador.
Divagações à parte, agradeço a todos os votos de sucesso, ao apoio dos amigos, às palavras de estímulo,às torcidas e a todos que agüentam minhas neuroses. Por enquanto vou ficar um tempinho sem computador em casa, mas tentarei postar, sempre que possível.

Aos amigos blogueiros, a desnaturada aqui ainda não consegui linkar este espaço com os cantinhos de vocês, mas continuo tentando. Enquanto isso, leio-os todos os dias, ou sempre que posso, religiosamente, para alimentar o meu espírito.

beijos a todos!

6 comentários:

Ronaldo Faria disse...

Cuide-se! Sempre. E viva e se emocione. E se apaixone e cante. Neste ou num canto qualquer, de cordas vocais ou cimento e concreto. E seja. Sempre. Una e indivisível. Risível, talvez. Mas você. Você. Sempre você. E assim, um dia talvez, tuas lágrimas se descubram risos. E vertam para dentro a dor que agora sente como risos. Ria. Sempre. Da vida, de si e dos outros. E acredite: toda mudança é desandança, mas também é dança. Dance. Dance em teu canto, em teus sonhos, em tuas saudades. E, livre, seja apenas a Lígia. E todos saberão que a cidade grande não mata a poetisa maior. Poetize-se. Seja. És...

Anônimo disse...

Já fui engolido por São Paulo uma vez... é uma dessas experiências pelas quais todos deveríamos passar, assim como viver fora, é sempre um embate entre onde viemos e onde estamos mas na maior parte das vezes saímos ilesos, saudade até que é bom, melhor que caminhar vazio, já cantava Caetano, e quem melhor entendeu sampa que o baiano... alguma coisa acontecerá no seu coração quando cruzar a Ypiranga e a Avenida São João...

Ronaldo Faria disse...

Um belo texto que vale a pena ler. Cuide-se. Beijos.
Ronaldo Faria


Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz.
E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduíches porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos.
E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz.
E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer fila para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios.
A ligar a televisão e assistir a comerciais.
A ir ao cinema, a engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável.
À contaminação da água do mar.
À luta. À lenta morte dos rios.
E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti

Lígia Moreli disse...

Ronaldo, adoro esse texto...

Ricardo, concordo contigo: morar fora,especialmente em SAmpa, é uma experiência única

Tatiana disse...

querida,
vai dar tudo certo!
Ouve essa amiga bruxa aqui. Vai ser tanto sucesso que você vai até rir disso tudo!!!
Eu sei do que estou falando, eu sei!

Unknown disse...

Eita, senti que tem algo pegando de mais sério. Espero estar enganado.

Beijão!