09 março, 2007

A cereja do bolo

Tá, tá, tudo bem, mudar é bom, eu sei. Tem até aquele poema, mude, mas mude devagar, mude o caminho pra ir pra casa, mude as coisas de lugar, e eu acho até que já citei esse poema aqui. Mas mudar tudo de uma vez e, ao mesmo tempo, perceber que não se mudou absolutamente nada, não, assim não dá. Em menos de três meses eu já desfilei em escola de samba pela primeira vez, a escola de samba caiu para o segundo grupo;o meu endereço mudou de uma cidade 1 milhão para outra de 12 milhões de habitantes; a minha quilometragem, de 100 mil quilômetros a cada dois anos, feitos cada um deles com as rodinhas do meu carro, se transformaram em quilômetros e quilômetros diários a pé, porque passei de motorista para pedestre e operária que se espreme no ônibus e no metrô e que leva banho de poça d´água em dia de chuva; depois de 10 anos atuando no mesmo ramo, passei para um outro; depois de anos trabalhando da manhã para a tarde, passei a sair às 22h e olhe lá; depois da vida inteira vendo a música e a arte como válvula de escape, oásis, brecha para viver e respirar, agora trabalho com isso e me sinto sufocada; depois de anos morando sozinha, estou dividindo e ainda por cima com um homem (um super amigo, mas não deixa de ser uma experiência, no mínimo, diferente); ah, e depois de quatro anos namorando e praticamente morando com uma pessoa, agora tenho me conformar em ver essa pessoa a cada 10 dias e, mesmo assim,num tempo que não dá nem para completar uma volta do relógio, meu Deus!!! É muita mudança.
Daí você me pergunta, você tá feliz, tá gostando, valeu a pena tanta mudança?? E eu digo: não sei. Estou começando a ficar em pânico de pensar que não. Ou seja: mudei, mudei e mudei e por dentro não mudei nada! Continua a mesma insatisfação, a mesma cara de jiló, a mesma inquietude, a mesma sensação de quando se está procurando um lugar e tem-se a eterna impressão de que se está na direção errada. Tudo isso mais uma vez. E olha que agora eu achei que fosse ser diferente...rs. É, diriam meus amigos, essa é a Lígia. Já virou até motivo de piada...
Seria um problema meu com o mundo do trabalho??? Seria assim alguma patologia essa que me faz nunca estar satisfeita? Não sei. Sei que ontem me serviram a cereja desse bolo todo: levei um pito daqueles que criança leva na sala de aula, na frente de todo mundo. E senti a vergonha que senti quando, na escola, minha professora me botou pra fora porque eu estava conversando. Nunca fui do tipo "foda-se", que dá de ombros e acha graça, faz que ouviu, mas solta tudo pelo ouvido do lado oposto e não introjeta broncas, cobranças, rejeições. Achei que minha casca, nestes meus 28 anos de várias frustações e alegrias tivesse engrossado, mas não...Tem sempre aquela partinha do corpo que sangra, aquela parte que, é só meter o dedo que se rasga toda...Puta que pariu, quando é que eu vou crescer hein!!!
Quero minha mãe, meu pais, meus cachorros, a minha Mogi Guaçu de 150 mil habitantes. Quero a música, quero cantar de novo, quero voar no balanço que meu pai pendurava para eu tirar os pés do chão e conseguir alcançar o céu. Meu pai sempre diz que preferia me ver com a barriga no tanque, ou sendo caixa de supermercado, ou balconista de loja, de padaria, enfim, fazendo qualquer coisa ou não fazendo nada, a me ver infeliz. Não desmerecendo ninguém e nenhuma profissão, acho que ele está certo sim. Assim como às vezes penso, porque não gosto de Calypso ou de Chitãozinho e Xororó e porque não sou fã do Big Brother???? Ao mesmo tempo, não conheço Truffaut e nem Godart, só de ouvir falar; também não falo inglês e não sei discutir a fundo sobre a política mundial, nem sobre o aquecimento global. Ou seja: estou no limbo entre a libertação total da ignorância e a vontade de achar que sei alguma coisa só porque conheço meia dúzia de compositores brasileiros, li umas dezenas de livros e já participei de uma entrevista coletiva com o Chico Buarque de Hollanda. Ah, é claro, só porque sou jornalista, porque ser jornalista é ser culto, para muita gente.
Bom, perdoe-me quem está lendo este texto. Na verdade, acho que ele está coroando os meus dias cinzas, de tão ruim que está. Ele é a cereja do bolo de emoções difíceis que estou tendo que digerir e engolir guela abaixo, tentando não passar mal no dia seguinte.
E para não dizer que não falei de flor alguma, e que estou parecendo o Zé Buscapé resumungando "Ó dia, ò azar", vou falar dos meus prazeres em Sampa:

1 - ver a Paulista e as luzes da cidade da minha janela, que fica no 23º andar
2 - poder passear no Parque Trianon
3 - chegar em casa às 22h30
4 - andar poucos passos e ter livrarias e cinemas ali, na cara do gol
5 - poder andar mal vestida ou com abacaxi na cabeça sem ninguém ligar muito
6 -O Parque Ibirapuera
7 - A Augusta, que é uma babilônia de putas, e botecos, baladinhas e lojas de trecos diversos
8 - ir embora de São Paulo para o interiorrrrrrrrrrrrrr

4 comentários:

Unknown disse...

Hehehehehe. Bom, nós falamos sobre isso desde 1996. Ou seja, tu já sabe o que eu penso.

E entendo porque me sinto assim também. Cada vez mais. Acho que nunca entendi tão bem este sentimento quanto tenho entendido hoje.

Nós seremos sempre "estrangeiros", Ligia. E a solução não é gostar de Big Brother ou de Godard, de São Paulo ou Mogi Guaçu, de jornalismo ou balcão de padaria. Acho que essas coisas são apenas escolhas e você estaria incomodada em qualquer lugar, fazendo qualquer coisa.

O nosso problema é mesmo o do estranhamento em relação ao absurdo da vida. Camus, manja? Mas isso só pode ser compreendido por quem o sente na pele, é inútil tentar explicar - e olha que seu texto está perfeito!

O negócio é respirar fundo, aceitar resignada sua condição de "estrangeira" e tentar curtir ao máximo o lado bom da cidade. Eu, particularmente, me interessei pelo tópico 7, aquele das putas, botecos e lojas de trecos. Minha cara!

Ronaldo Faria disse...

Menina, você não tem cara de jiló (mesmo eu adorando jiló frito)! Nunca terá...
Também não sei inglês e nem me jogo a parecer enciclopedista só para parecer gênio. Jornalista não é gênio. Há uns bons, como em toda a profissão. Os melhores. Há a média (nós, ou só eu) e os imbecis. Como em todas as profissões. Mas nós, ao menos, sabemos de nossas limitações e buscamos crescer e aprender a cada dia. Morreremos aprendendo. Como qualquer ser vivo deste planeta: gerando vida própria e sobrevivendo às "intempéries".
Nunca deixe de se questionar, achar que pode melhorar, que a vida não é só isso.
Afinal, até o Tom já falou de ti...
Cuide-se. Sempre...
Ronaldo Faria

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Lígia,

Precisa insistir na cidade. Ela é meio difícil, mesmo. E descobrir novos lugares. Tem uma porção de coisas pra colocar nesta lista:

1. O mercadão central, no Brás

2. O muquifo que vende churros (os verdadeiros) nas madrugadas de sexta e sábado, na Rua Ana Néri

3. O estádio do Pacaembu em dia do jogo do Corhintians

4. O estádio do Morumbi em dia de jogo do São Paulo

5. O restaurante argentino Martin Fierro na Vila Madalena

6. Comer friturinhas engordantes e nojentonas na feira de domingo no bairro da Liberdade

7. Um filé mal passado com alho e brócolis no Moraes, na avenida São João

8. A pizzaria Castelões na Mooca

9. Os shows no Sesc Pompéia

10. Cinemas, cinemas e mais cinemas...

11. A festa da Achiropita em agosto, no Bixiga

12. O Sebo do messias no Centro

13. A livraria da Vila na Vila Madalena

Ah! Tem tanta coisa!!!!

Anônimo disse...

Lígia
Até parece que vc transcreveu meus pensamentos. Mal de jornalista? Acho que não. Como disse o Bruno, é "estranhamento em relação ao absurdo da vida" (quando crescer quero escrever igual a ele).

E eu que nem emprego tenho e não sei se fiz a melhor escolha optando pelo jornalismo...