02 abril, 2007

Coisas de um mundo melhor


Se a felicidade é feita de momentos, vou contar aqui meu último e fresquinho momento de ser feliz. Enquanto a rua ferve num vai e vem frenético 23 andares abaixo de mim, numa tarde quente, preguiçosa e arrastada, cheia de gripe, lenços de papel e uma preguiça típica de folga de segunda-feira, sou feliz. Não apenas porque todos os outros mortais trabalham enquanto fico aqui escolhendo entre arrumar a casa, ir ao cinema ou dormir o dia todo para tentar me curar, mas porque tenho a felicidade de gostar de coisas de um mundo muito melhor e maior do que este que a gente vê assim, numa primeira olhadela. Sou feliz, entre outras muitas coisas, porque conheci a música de Paulinho da Viola.
Nessa tarde de preguiça, me desidratei ao ver e ouvir Paulinho num tempo em que a TV era mais amadora sim, mas de muito mais bom gosto. Tempo em que o cenário chinfrin combinava com os microfones ainda com fios longos, em que a captação do violão ainda era feita com um microfone na boca do gol, o som acústico, pulsando o tamborim e o surdo dentro da gente que parece que o coração vai sair pela boca, que as roupas pareciam cheirar naftalina, as mangas eram bufantes e os cabelos exibiam permanentes. Tempo em que a televisão do Senhor Roberto Marinho ainda não tinha a supremacia tecnológica que tem hoje, mas que ainda tinha a dignidadade e a decência de colocar no palco, em um especial, Paulinho da Viola, César Faria, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro, Nelson Sargento, Elton Medeiros e, pasmem: Radamés Gnattalli. Sem contar Casquinha, Mestre Copinha, Manacéa e até o Canhoto da Paraíba. Puta que pariu, o que aconteceu com a nossa televisão! Tempo em que os câmera-man ainda conseguiam distinguir a mão direita da mão esquerda do violonista, em que não se precisava ser apenas bonito e estar na moda para aparecer na televisão. Tempo em que a Sônia Braga ainda não estava toca esticada e exibia cachos no cabelo...
Desidratei, desidratei mesmo ao assistir o DVD da Trama com o programa Paulo Cesar Baptista de Faria, da série Grandes Nomes, exibido em 1980. Desidratei ao ver o Paulinho sentado no chão, na beira do palco, com o Manacéa segurando o microfone pra ele cantar Leva um recado e contar a história do samba. Provavelmente neste mesmo ano eu estava em casa, ainda de fraldas, entre surdos, frigideiras e cuícas, participando das rodas de samba que meu pai fazia inspirado no Paulinho. Quando ouço a batida do cavaco do Paulinho não tem jeito de não lembrar do meu pai e chorar. Meu pai que nesse ano completa 60 anos e me ensinou a ver o mundo diferente, as coisas do mundo melhor, que nem todo mundo consegue enxergar...
Felizmente não vejo o mundo melhor sozinha. Ouvindo e vendo o Paulinho, lembro que, além do meu pai, há também o meu amigo Bruno, que tem "Coisas do mundo, minha nega", como um de seus sambas prediletos e me ensinou a enxergar muito deste mundo poético que existe sim e nos salva da mediocridade e da burrice da rotina pura e simples.
Lembro também do meu mais novo e doce amigo, Sérgio Carvalho, o Serjão, que além de dividir a casa comigo, está dividindo também pérolas como esta do Paulinho, um baú cheio de sons e um coração cheio de carinho. Lembro também da minha mãe, apaixonada que é pelo Rio de Janeiro, que me ensinou a ter bom gosto e a ser guerreira, sem nunca perder a ternura.
As coisas estão no mundo e, felizmente, eu entendi que preciso buscá-las e aprendê-las. O Paulinho da Viola tem razão.

4 comentários:

Unknown disse...

Obrigado pela parte que me toca, Lígia. Você sempre foi especial, também por gostar dessas coisas. E entendê-las - o que é mais importante. Beijos.

Anônimo disse...

Tirando Paulinho ser Vasco (ou será Botafogo?) e se chamar literalmente Paulo César Farias, ele é fantástico. E gente fina. Um dia o entrevistei e ele é um ser de luz, simples e humilde, aprendiz da vida. Um sambista de primeira. Uma rara figura.
Beijos. Cuide-se.
Ronaldo Faria

Ricardo Pereira disse...

as coisas estão no mundo sim minha nega mas acho que você já aprendeu...

Grooverizando (no tom) disse...

Lindo!
Obrigado, e salve Paulinho da Viola. Uma honra dividir os comentários com esses feras aqui em cima.
Beijo enorme