19 novembro, 2007

O caminho das pedras


Andávamos olhando para baixo, calculando o passo para não errar as pedras. Pedras, mais pedras, sempre elas a povoar o nosso caminho. Nos levavam a casarios antigos, peças de artesanato, bancos de praça, chafarizes, e barquinhos indo e vindo, a tudo isso as pedras nos levava. Anos que começam com 18 ou 16 impressos nas fachadas, janelas quadriculadas de vidro, portas à mostra dando direto para românticas ruas bufando de turistas e gringos e músicos tentando ganhar a vida. O cara que toca Aquarela, do Toquinho, na Harpa, com direito ao "E descolorirá" tocado naqueles zilhões de cordas de se perder a conta. E outro chamado Neguinho que ganha a vida tocando seu violão encostado na soleira de um boteco das 10 da manhã às 7 da noite e cujo sonho é apenas continuar vivendo assim. E o outro chamado "Homem Borboleta", paramentado com dezenas de prendedores de cabelo em forma do tal bicho voador, e roupa do Raul Seixas no clipe do Plunct-Plact Zum, falando sobre os astros, divagando sobre as estrelas, cumprimentando os transeuntes. E os senhores cirandeiros, com violão, charango e um pandeirinho engraçado, com cadência de frevo misturada à música caipira, cantando em duetos ali, para quem passa pelas tais pedras. E também o senhor solitário, com aquele microfoninho da Madonna, acompanhado de um violão tonante, cantando Romaria, a pedido de jovens turistas. Cabelos brancos, pele negra e voz curtida nos carvalhos, não da Escócia, mas no álcool das boas cachaças locais.
E o sol, que sol que nada...demorou a nos fazer companhia nesse caminho de pedras, que pulávamos todo dia, passo a passo, juntos, debaixo de um mesmo guarda-chuva, dividido sob pena de costas molhadas e sapatos embebidos de gotas do céu. Insistíamos, porém, em buscar a areia, em pisá-la diante da imensidão da baía, procurando no sem fim do horizonte algum raio de alegria que nos trouxesse o êxito total de nossa expedição: apenas um raio de sol. Por dentro, porém, ainda que úmidos e nublados de tanta chuva, estivemos felizes. E brincamos de inventar objetos e brincadeiras. Da espinha do peixe fizemos um pente. E com uma câmera fizemos retratos de nós e roubamos e devolvemos nossas almas mutuamente. E roubamos por alguns instantes a alma das pedras, dos casarios antigos, das árvores.
Não pudemos nos esconder embaixo dos véus das cachoeiras. O frio não permitiu que nos paramentássemos assim, com a gala que a natureza merecia. Mas pudemos vê-los desfilar sob os nossos olhos, sentindo a paz da sinfonia que eles criavam em seu percurso, das rochas à grande piscina límpida de sua chegada.
Andávamos olhando para baixo, sim, calculando cada passo sobre as pedras que nos guiavam. E nesse andar, de pedra em pedra, olhamos também para dentro e redescobrimos, em nós mesmos e na novidade das paisagens, algo belo, ao mesmo tempo conhecido e desconhecido. Algo assim, como a gente mesmo, só que feliz.
Lembranças de uma viagem a Paraty, cidadezinha histórica do estado do Rio de Janeiro, num final de semana prolongado de muita chuva lá fora, e muito sol dentro da gente.

Nenhum comentário: