16 fevereiro, 2008

Boa surpresa


No país das cantoras, em que a hegemonia vocal continua atribuída a Elis Regina,e, por alguns poucos, também a Elizete Cardoso e a Clara Nunes, seguidas de Gal Costas, Bethânias, Leilas, e afins, confesso que o surgimento de novas cantoras já não me apetece tanto. Lido com tais aparecimentos com uma habitual falta de atenção, até porque, confesso, quase não ouço rádio. Fico mesmo nos meus CDs. Confesso que, muitas vezes, instala-se em mim aquele pensamento de que ninguém mais consegue colocar ovo nenhum em pé e que, quando tenta fazê-lo, o derruba e quebra na tentativa de chocar (sem trocadilho algum neste verbo...rs), fazendo misturas de estilos, cantando com afetações baianas ou de vozes graves e masculinizadas, padronizadas com a linhagem de Cássia Eller, esta sim, na minha opinião, uma baita de uma cantora. Dentro dessa minha linha de raciocínio, até encontro alguma coisinha aqui e ali interessante - gosto de diversas interpretações da Marisa Monte, em detrimento de seus tribalismos, e também gosto da Maria Rita, apesar de não entender porque tamanho barulho em torno dela. Mas fica sempre aquela sensação de que não, nada realmente está me tocando. Tem também as cantoras compositoras, Rosa Passos, Fátima Guedes, estas sim a me emocionar bastante, mas que ficam à margem das coisas, naquele lugar elitizado, visitado por poucos na música popular brasileira. E tem outra hein: estas são da velha guarda também, estão aí há muito tempo, embora pouca gente as note. Enfim, parece que nada mais me emociona muito nesta chamada nova música popular brasileira.
Eis que ontem resolvi ir conhecer a tal Roberta Sá de que tantos críticos andaram falando nos jornais e que, diz-se, emocionou até ao Chico Buarque. Não lembrava que era ela a voz de "A Vizinha do lado", de Caymmi, que apareceu recentemente em uma trilha sonora de novela global. Sentei na platéia com o ar desconfiadíssimio, sem muitas expectativas. E eis que entra no palco uma banda pequena, acanhada: percussão, batera, uma violonista com uma flor no cabelo e saia rodada e um guitarrista, que também usava programações e tocava cavaco. Depois vim a saber que se tratava do produtor dos dois discos da cantora e diretor musical do show, Marcelo Campelo. Minutos depois, entra a tal Roberta Sá. Pouca maquiagem, cabelos longos, ao natural, vestido estampado bonito, estiloso, mas sem muito fru-fru, pernas à mostra. Não, não as pernas bronzeadas e trabalhadas em academia da Ivete Sangalo. Pernas braquinhas, com torno natural da mulher brasileira, sem muita malhação. Uma moça muito bonita, não chegava a ser tímida, mas fazia movimentos bastante contidos para um palco tão grande e multidirecional como o do SESC Pompéia. Sem coreografias, sem caras e bocas, nada. Começou a cantar, sem fazer alarde, sem fazer tipo e foi me conquistando e à platéia apenas com o seu jeito de cantar. Puta que pariu! Finalmente uma cantora que não imita ninguém, não tem vibrato de Sandy nem daqueles participantes do Fama e do Raul Gil, não tenta engrossar a voz e nem imitar cantora baiana de axé. Tampouco fica na cola da Elis Regina. Ela é ela e ponto. Simples, sem muitas pretensões. Um timbre doce, macio e ao mesmo tempo forte e com graves belíssimos! Afinação perfeita, brejeirice nas interpretações. Enfim, não tive aquele surto psicótico que sinto quando ouço as gravações da Elis, mas me encantei docemente, levemente, devagar, a cada música. Senti uma sensação agradabilíssima ao ouví-la, ainda que ela não tenha feito nada de que eu já não tenha ouvido um dia. Não importa. Para quem está acostumada a ultimamente ouvir os virtuosimos da música instrumental - que também adoro - surpreendi-me adorando aqueles arranjos básicos, mas muito bem feitos, sem forçação, utilizando sim de programações mas com extremo bom gosto. Roberta Sá me conquistou apenas com seu jeito gostoso jeito de cantar e aqueles músicos com o acompanhamento correto, sutil, que mistura sim ritmos, utiliza sim da tecnologia, mas deixa isso a serviço da canção, que é o que ali estava em questão. Fiquei sabendo ali que a tal moça também compõe e, o que não compôs, salvo algumas exceções, era de extremo bom gosto: Dona Ivone Lara, Chico Buarque...E quando ela atacou "Uma, qualquer uma, que pelo menos por enquanto é carnaval", Cicatrizes, de Miltinho e Paulo César Pinheiro, confesso: me conquistou de vez.
Acho que no país das cantoras maravilhosas, bombásticas, de timbres marcantes, e em que tudo de belo e também de estrambólico já foi feito e buscado, o grande lance é esse mesmo: ser você próprio. Cantar com convicção, com a própria voz, com o próprio pensamento. E outra hein: Roberta não é só uma cantora de samba, nem só de balada, nem só de bossa nova. Flerta sim muito com o samba, mas não se encurrala dentro desse rótulo. E isso também é a grande sacada. Não há mais tempo, tenho impressão, para participarmos de movimentos fechados. Amo bossa-nova e tropicalismo mas, vamos e venhamos, os movimentos e tribos musicais por eles mesmos tendem a empobrecer o que mais importa, que é a música. Oras bolas, música é música.E ponto.

5 comentários:

Rodrigo disse...

Tens razão a Roberta Sá é uma excelente cantora. Agora queria falar que ela participou do FAMA da Tv Globo.

Abraço

Lígia Moreli disse...

Rodrigo, eu sei que a Roberta participou do Fama. Mas, apesar disso, não ficou com aquele ranso de canto afetado impresso na voz dos participantes.

abraço

Unknown disse...

É a melhor da nova safra, sem dúvida.

Rodrigo disse...

Oi Ligia, me desculpe pensei que não soubesse. Concordo com você, quando você cita a música Cicatrizes de Paulo César, é de arrepiar mesmo.

abraço

Unknown disse...

Preciso ouvir mais essa moça...
Se ela emocionou você, tenho certeza de que gostarei!
Beijo!
Obrigada pelas palavras sempre lindas!