31 março, 2008

Eclipse

De repente viu-se novamente na sombra, depois de dias de sol radiante, e voltou a ver o que já foi e o que não gostava de ser. Como se um eclipse lunar tivesse escurecido seu dia, e a feito amanhecer numa segunda-feira de náusea, os olhos embotados de lágrimas e sono mal dormido, a cabeça com uma ressaca de dúvidas e medos, o corpo vagando e doendo um pouco para viver. As pílulas naquele dia não funcionaram e sua vontade era que o mundo se esvaziasse e nele só restasse ela, com todo o ar do mundo só para si, porque lhe faltava, e muito, para dar conta de sua respiração ofegante e sua pressão perdida nos subsolos do mal estar, de tão baixa. Pensou o quão difícil é viver, mais do que crescer, e o quanto isso dói. Pensou o quão seria importante ser um pouco mais fatal, caras e bocas sexys, menos "açúcar e afeto", embora nem saiba fazer um bolo de chocolate, no máximo uma vasilha com pipocas; menos álbuns de fotografia, menos cena de comercial de manteiga e trilha sonora água com açúcar, menos príncipes encantados com seus cavalos brancos, e mais sexo selvagem, tesão sem medidas, saudades corporais, experiências físicas. Pensou que talvez Freud realmente explique tudo. Que tudo comece e termine no sexo. Que as mulheres primeiro aprenderam a não amar, depois a amar demais, e agora, sobretudo agora, devem também aprender a desjar. Pensou que devem conter em si o afeto de uma Amélia criada para coser e cozinhar, o talento de uma Malu Mulher dos anos 70 para quebrar barreiras e conquistar cada vez mais postos de trabalho, a doçura de uma mãe zelosa, pois o mundo não aceita muito bem as secas de ventre e, especialmente, as que jogam os filhos na vala comum do mundo, a beleza de uma gueixa, a atitude de uma Anita Garibaldi, ou de uma Joana D´Arc, a sapiência e o lirismo das poetisas e, ainda assim, lhes faltará algo se não forem esculpidas para o prazer. Talvez por isso tantas hoje se dividam entre as horas de trabalho, os cursos de aperfeiçoamento, os mestrados, os livros, o supermercado, a manicure, a depilação e as idas ao sex shop ou às aulas de dança do ventre. É, as pílulas não fizeram efeito e em seu andar de vertigem ela pensa o quão é difícil equilibrar-se na vida, o quanto um simples comentário, um simples medo ou um simples não fazer ou não querer podem fazer com que, de repente, o dia escureça e pareça noite sem estrelas. Felizmente, é um eclipse, apenas. Os remédios logo farão efeito e, nada que uma boa sessão de terapia e alguns dias de trabalho não resolvam. Tanto melhor: só dói mesmo quando se vive de verdade, mas, como diria a música, "é melhor viver do que ser feliz". Só assim se é feliz de verdade.

2 comentários:

Tatiana disse...

todo mundo tem uma receitinha de felicidade e sucesso. não acredito em nenhuma delas.
o que eu vejo é que a vida é uma constante montanha russa. dias de sol e dias de tempestade. a bonança sempre antecedendo a desgraça. sempre assim.
o que eu acho mais importante é a gente descobrir quem é. Malu mulher? ou a amélia? quem sou eu? onde me encaixo melhor?
quero mais é que o mundo se foda se acreditar que eu devo agir ou pensar de determinada forma porque na hora que o pau come pro meu lado, não tem mundo nenhum pra segurar minhas ondas. sou eu e eu somente.
então, que todo mundo se foda!
a única pessoa que não pode querer se fuder é você.
de resto...é a vida que corre sempre em direção ao mar.

Unknown disse...

Adorei os questionamentos eternos acerca do papel da mulher e, concordando com a Tatiana, quando a bomba explode, o eclipse parece não ter fim. Haja esperança para esperar outra bonança.
Só uma perguntinha:qual o nome das pílulas, pelo amor de deus?! rsrsrs...
Adoro ler você!
Beijo,
Ana