21 maio, 2008

Isso é bossa- nova, isso é muito natural

Em entrevista ao jornalista Roberto D´ávila, Zuenir Ventura, autor de “1968, o ano que não terminou”, comentou que em 2008 há tantas efemérides que talvez não haja lugar para registrarmos o que estamos vivendo e que história estamos escrevendo no próprio ano de 2008. 100 anos da morte de Machado de Assis, 50 anos do “Grande Sertão Veredas” de Guimarães Rosa, 40 anos de todos os acontecimentos políticos de 1968, com reações juvenis, no mundo todo, aos impactos de anos de Guerra Fria. E no campo da música, os 50 anos da Bossa Nova, movimento, ou estilo musical, ou quem sabe até um estilo de vida, por que não?
Há quem nem saiba o que é bossa nova, mas ao menos uma vez na vida ouviu falar de Tom Jobim e Vinícius de Moraes ou ao menos dançou “Só tinha de ser com você” em versão “eletrificada” pela contemporânea Fernanda Porto. Para quem não sabe, apresento-lhes a bossa-nova, que alguns consideram um movimento, outros um estilo ou uma revolução musical ocorrida oficialmente no final dos anos 50 e que consolidou, de vez, a música brasileira no resto do mundo. Oficialmente, o disco “Canção do amor demais”, gravado por Elizete Cardoso em 1958, marca o nascimento da tal bossa. No tal disco, a cantora, já consagrada, gravou só canções dos então iniciantes Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Bem, mas há quem diga também que a tal bossa nova já vinha sendo gestada antes, com o violonista Garoto e suas harmonias mais sofisticadas, trazendo não mais os acordes bem resolvidos. Ou com o pianista Johnny Alf, que sempre é esquecido, mas foi um dos primeiros a, de fato, “jazzificar” a música com seu jeito de cantar e tocar piano. E, voltando mais atrás ainda, há até quem note em Orlando Silva e Sílvio Caldas já algumas tentativas de trazer o jazz para a canção brasileira. Sim, porque bossa-nova também é sinônimo, para alguns, de samba+jazz. E muito importante: de letras mais leves, que exaltam a beleza natural e das mulheres, o amor, o sorriso e a flor.
Sim, a bossa-nova é isso, e muito mais. É a música que fizeram a “santíssima trindade” João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes; também a que fizeram os que vieram antes deles (Dolores Duran, Garoto, Johnny Alf, Silvinha Telles); e ainda os que vieram depois (Nara Leão, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal). De certa forma, é feita até hoje por gente como Leila Pinheiro, Rosa Passos e Guinga. Bossa-nova, ao lado dos 50 anos em 5 de Juscelino Kubitschek, do concretismo dos irmãos Campos, dos parangolés do Oiticica, do Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa, do Cinema Novo de Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, é o primeiro suspiro verdadeiramente otimista do Brasil diante do mundo. Não mais o estilo operístico, não mais a dor de cotovelo, não mais o violão escondido na cozinha. O instrumento, antes mal visto como coisa de vagabundo, ganhou a sala de visitas. A música brasileira fundiu-se com o jazz mas o resultado foi não apenas uma canção nova, ou meramente um jazz brasileiro, mas um jeito novo de viver e de pensar.
A bossa-nova nasceu de um conjunto de fatores, não apenas musicais, como também comportamentais, estéticos, políticos e até econômicos. Seu endereço oficial de nascimento foi a zona sul do Rio de Janeiro, com seus barquinhos, e peixinhos, e mar que não acaba mais e que transborda em várias letras destas canções tipo “banquinho e violão”. Mas a bossa-nova é muito mais. Ela se embrenhou naturalmente em tudo quanto é tipo de música que vem sendo feita no país nos últimos 50 anos. Foi referência tanto para ser absorvida quanto para ser negada, vide o Tropicalismo dos Doces Bárbaros, e o Iê-Iê-Iê da Jovem Guarda.No Centro Cultural de Mogi Guaçu, minha cidade natal, o cinqüentenário da bossa nova foi comemorado com uma exposição que mostrou, de forma simples, com alguns poucos ícones, todo um universo de símbolos que marcaram uma geração, talvez a geração da qual, às vezes, eu sinta vontade de ter feito parte. A sala no melhor estilo anos 50, com suas charmosas luminárias, o disco girando na vitrola sem parar, provavelmente com o “Joãozinho”, jeito carinhoso que Vinícius tinha para chamar João Gilberto...Os óculos do poetinha deixados no assento do sofá, e as capas de vinis penduradas pelo ambiente dão conta de um tempo em que se tinha mais tempo para ouvir e para ler...E da janela, era possível apreciar um mar azul, um barco, dias tão azuis vistos de um calçadão cuidadosamente desenhado, em pedras pretas e brancas, por onde provavelmente passou uma garota...Ainda que não estejamos no Rio de Janeiro, sempre que ouvimos uma canção podemos ver o “Corcovado” da janela.
Tudo muito natural. Tudo bossa-nova...

Fotos: A primeira me foi enviada há muito tempo pelo amigo Bruno Ribeiro, mas desconheço o nome do fotógrafo.Só sei que eu adoro essa imagem.
A segunda e a terceira são fotos de Fabrício Leme, do jornal Gazeta Guaçuana, e foram tiradas no Centro Cultural de Mogi Guaçu onde minha mãe Rita Moreli (a loira em frente da vitrola) organizou a exposição. O calçadão, o mar e o barquinho foram criados pela artista Eli Cóvulo.

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