23 junho, 2009

Homenagem merecida a Hermínio Bello de Carvalho

Nesta semana, o SESC Avenida Paulista fará uma super homenagem ao poeta, crítico, produtor cultural e compositor Hermínio Bello de Carvalho. Homenagem mais do que merecida e que estará recheada de convidados especiais: Alaíde Costa, Áurea Martins, Ângela Evans, Giana Viscardi, e uma banda da pesada. Além disso, o jornalista Alexandre Pavan (que assina o texto abaixo e é autor do perfil biográfico do Hermínio chamado "Timoneiro"), irá intermediar um bate-papo do público com o artista nesta quarta-feira.
Convidos aos amigos, aos amantes da Música Brasileira, do choro, do samba, aos que valorizam gente que valoriza e que contribuiu para muito do que a gente tem de cultura brasileira, a comparecer, prestigiar e ajudar a divulgar. O projeto é meu e da produtora Guete Oliveira, e promete ser bem emocionante.
Uma programação obrigatória e imperdível! Cliquem no flyer acima para mais informações.

Timoneiro
A impressão que dá é que Hermínio Bello de Carvalho pode tudo. Um dia ele sonhou ser parceiro de seus ídolos – Pixinguinha, Cartola, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, Chico Buarque – e conseguiu. Imaginou ouvir suas músicas interpretadas pelas grandes divas da canção brasileira – Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Maria Bethânia, Nana Caymmi, Aracy Cortes, entre tantas outras – e ouviu. Como já notou o jornalista Sérgio Cabral, até mesmo com Mário de Andrade – sua principal referência intelectual e que ele não teve tempo de conhecer – Hermínio arrumou uma maneira de estabelecer contato, ainda que fosse na forma de missivas imaginárias que dariam origem ao livro Cartas Cariocas para Mário de Andrade.
É como ele já escreveu: “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”. E o mar de Hermínio Bello de Carvalho é o Brasil – de Heitor Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Di Cavalcanti, Oscar Niemeyer, Dorival Caymmi, Mané Garrincha, Jacob do Bandolim, Jota Efegê, Albino Pinheiro, Tom Jobim, entre tantos outros com os quais conviveu e/ou trabalhou.
Hermínio Bello de Carvalho nasceu no subúrbio carioca de Ramos, em 28 de março de 1935, a poucas quadras da rua onde morou Pixinguinha e que hoje leva o nome do músico. Freqüentou a Escola 3-3 Deodoro, mas não se destacou nos estudos – preferia escrever poemas nos cadernos dos colegas a prestar atenção no conteúdo das aulas. Apaixonado pelas estrelas do rádio, no início dos anos 1950, Hermínio transformou-se em freqüentador assíduo dos programas de auditório da Rádio Nacional – e sem pagar ingresso, pois engambelava o pessoal da portaria se dizendo primo de Heleninha Costa. Em pouco tempo, não precisou usar mais a desculpa usual porque assumiu a função de repórter da Rádio Entrevista, uma concorrente nanica da famosa Revista do Rádio.
O garoto que brincava de escrever sonetos nos cadernos dos colegas de escola agora era autor de três livros de poesia: Chove Azul em Teus Cabelos (1961), Ária & Percussão (1963) e Argamassa (1964) – e com o direito de ver alguns de seus poemas selecionados pelas antologias Novíssima Poesia Brasileira e Poemas do Amor Maldito.
Em 1963, sua amizade com Cartola o transformaria em figura de proa do restaurante Zicartola, montado pelo sambista e sua mulher. Aliás, Hermínio seria padrinho de casamento dos dois quando, no ano seguinte, oficializaram a união. No Zicartola, ele atuou, juntamente com o jornalista Sérgio Cabral, como animador e apresentador das noitadas de samba, criando a Ordem da Cartola Dourada, comenda oferecida toda semana a um grande nome da música popular. O Zicartola serviu para enriquecer as relações de Hermínio com os sambistas, incentivando-o a criar O Menestrel, um movimento de vanguarda – envolvendo inicialmente poesia e, depois, música (erudita e popular) –, no qual começaria a se exercitar como roteirista e diretor de espetáculos. O sucesso do movimento somado ao envolvimento cada vez mais intenso de Hermínio com o samba desaguaria no espetáculo Rosa de Ouro, realizado em 1965 e histórico desde sua noite de estréia. Além da linguagem revolucionária em termos de show musical, o Rosa de Ouro promoveu a volta aos palcos da grande dama do teatro de revista Araci Cortes e revelou ao Brasil a voz e o repertório de Clementina de Jesus. Para arrematar, as duas eram acompanhadas pelos sambistas Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento. Rosa de Ouro teve duas versões – a segunda em 1967 – e ambas ficariam registradas em disco.
A primeira gravação comercial de uma música sua ocorrera em 1965, quando Nara Leão registrou em disco Cicatriz (parceria com Zé Kéti), que seria incluída por Oduvaldo Vianna Filho, no espetáculo Opinião. Quarenta anos depois, Hermínio contabiliza mais de 150 composições gravadas e uma seleção primorosa de parceiros –Maurício Tapajós, Dona Ivone Lara, Baden Powell, Sueli Costa, Elton Medeiros, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, João de Aquino, Vital Lima, Vicente Barreto –, além de ter letrado músicas de Jacob do Bandolim (a trilogia de choros Noites Cariocas, Benzinho e Doce de Coco), João Pernambuco (Estrada do Sertão), Villa-Lobos (Senhora Rainha, Prelúdio da Solidão) e Chiquinha Gonzaga (Atraente).
Toda essa obra ganharia vida nas maiores vozes de nosso cancioneiro, como Elizeth Cardoso, Clara Nunes, Simone, Maria Bethânia, Gal Costa, Zezé Gonzaga, Dalva de Oliveira, Jair Rodrigues, Alaíde Costa, Ciro Monteiro, Dalva de Oliveira, Zé Renato, Elza Soares, Emílio Santiago e outros mais.
Na seqüência do Rosa de Ouro, Hermínio iniciaria uma intensa carreira como diretor de espetáculos e produtor de discos. Dirigiu, por exemplo, a histórica apresentação de Elizeth, Jacob do Bandolim e Zimbo Trio, em 1968, e os shows Te Pego pela Palavra e É a Maior!, da cantora Marlene, nos anos 70. Produziu trabalhos de Isaurinha Garcia, Noite Ilustrada, Cristina Buarque, Clementina de Jesus, Zezé Gonzaga e Turíbio Santos, com destaque para os álbuns Elizeth Sobe o Morro, Mudando de Conversa (com Ciro Monteiro e Nora Ney), Fala, Mangueira (com Clementina, Nelson Cavaquinho, Cartola, Carlos Cachaça e Odete Amaral), Vivaldi & Pixinguinha (com Radamés Gnatalli e Camerata Carioca), Gente da Antiga (com Clementina, Pixinguinha e João da Baiana), Som Pixinguinha, No Tom da Mangueira e Chico Buarque de Mangueira (quando a escola de samba homenageou os compositores).
Em 1976, seria convidado por Albino Pinheiro para estruturar artisticamente o projeto Seis e Meia, no Teatro João Caetano, que aproveitava o tempo ocioso do espaço cultural para apresentar espetáculos de qualidade a preços populares, uma fórmula que se consagrou. Além de formar platéias, o Seis e Meia lançou e divulgou inúmeros intérpretes, instrumentistas e compositores. No ano seguinte, Hermínio aproveitou a experiência bem sucedida e expandiu-a para o resto do país por meio do Projeto Pixinguinha, desenvolvido pela Fundação Nacional da Arte (Funarte), na qual tinha assumido a Divisão de Música Popular.
Paralelamente, produziria e apresentaria na TV Educativa, em períodos distintos, os programas Água Viva, Lira do Povo e Contraluz, dando continuidade também aos seus impulsos de escritor com os livros O Canto do Pajé (artigos sobre Villa-Lobos e música popular), Mudando de Conversa, Cartas Cariocas para Mário de Andrade, Sessão Passatempo (crônicas), Bolhas de Luz, Contradigo (Poesia) e Araca – Arquiduquesa do Encantado (perfil biográfico de Aracy de Almeida).
Esse entusiasmo pela promoção, divulgação e preservação da cultura e memória musical brasileira continua presente em seus trabalhos mais recentes, como o espetáculo O Samba é Minha Nobreza, apresentado em 2002 no Cine Odeon-BR, no Rio, que reuniu os respeitados Roberto Silva, Zé Cruz, Cristina Buarque e Paulão Sete Cordas a novos talentos como Nilze carvalho, Bernardo Dantas, Mariana Bernardes, Pedro Miranda e Pedro Aragão. E some-se também sua participação na criação do Instituto Jacob do Bandolim (de valorização da obra do músico) e da Escola Portátil de Música (de incentivo à educação musical).
Poeta, compositor, produtor de discos, cronista, ativista cultural – encaixar Hermínio em apenas uma classificação profissional é difícil porque ela resultaria incompleta e injusta. “O que eu queria mesmo era ter me tornado educador”, ele costuma dizer. Mesmo tendo irradiado tanta informação, formado platéias e educado uma legião de ouvintes de música, ele não aceita o título de professor por não ter feito faculdade. E também por ele, que parece poder tudo, ter que continuar lutando para conseguir realizar seu maior sonho maior, que é o de ver o brasileiro mais abrasileirado. Mas será que foi o mestre que não soube ensinar, ou fomos nós que ainda não aprendemos a lição?

Alexandre Pavan
autor de “Timoneiro”, perfil biográfico de Hermínio Bello de Carvalho publicado pela Editora Casa da Palavra.

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