20 novembro, 2009

Minha igreja


A harmonia da música mineira é a minha igreja. Se não sinto minha alma elevada aos céus quando vou à missa, é ouvindo música mineira que me sinto com os pés fora do chão. Penso que a harmonia, para mim, é a parte mais importante da música. É a alma da música. A melodia pra mim é o cérebro que faz tudo funcionar e o ritmo é o corpo que a movimenta e leva para onde quer. Mas é na harmonia que mora a essência da música. Experimente ouvir "Asa Branca" com Luiz Gonzaga e depois com Hermeto Pascoal e Elis Regina. É uma música outra, com outra personalidade.
Assim, a harmonia da música mineira sempre mexeu comigo de um jeito sui generis. É como se realmente algo de sagrado acontecesse ali, como adentrar uma igreja de Ouro Preto ou de alguma cidadezinha das minas.É onde encontro meu alento, meu refúgio. É onde me vejo emocionada, mexida de uma forma única. É um misto de alegria e tristeza, como devem sentir os crentes cantando aqueles hinos fervorosos durante os cultos. É essa energia pulsante que sinto quando ouço Milton Nascimento, Lô Borges, mas sobretudo e principalmente quando ouço Toninho Horta. Não manjo de harmonia para explicar o que acontece ali, mas para mim é como se tudo fosse vibrante, como se cada acorde fosse um vôo por um céu azul lavado. Os acordes não fecham, eles abrem possibilidades, e ao mesmo tempo são cheios de tensão. Deve haver um estudo para explicar o que acontece com o nosso organismo a partir de determinados sons, mas a química da harmonia mineira sobre mim é explosiva. Toca no mais fundo de minha alma.
Quando ouço "Francisca" ou "Aquelas coisas todas" ou "Beijo Partido", com Toninho Horta, eu simplesmente tenho vontade de rir, de chorar, de ser feliz. Como sou uma pessoa que busca acima de tudo e sempre a emoção em tudo na minha vida, é sempre uma experiência intensa ouvir os músicos mineiros, especialmente os que se dedicam a fazer música instrumental, pois é ali que as possibilidades harmônicas se multiplicam.
Depois de um show de Toninho Horta no SESC, o contrabaixista dele, Yuri Popoff disse que acredita que essa "coisa" indefinível e ao mesmo tempo nítida, essa diferença clara entre a harmonia dos músicos mineiros e dos outros pode sim ter tido o pé na igreja, no barroco, mas também tem a ver com a mania do mineiro de "comer quieto", sua introspecção, a introspecção do homem que está longe dos arranha-céus e longe da praia, contido entre as montanhas. Eu sou dos arranha-céus e da praia. Fico entediada quando muito tempo entre as montanhas. Mas não posso negar que elas me exercem um certo fascínio. Não é algo para eu viver durante todo o tempo, tamanha a minha inquietude, mas certamente é o refúgio para onde corro, é o colo onde quero me deitar quando a angústia se faz grande, quando não vejo poesia e emoção no mundo, quando sinto saudade de alguém, quando me sinto recolhida em mim mesma. É aquele cantinho sagrado das milhões de coisas que gosto de ouvir.


Quem quiser conferir o show do Toninho Horta no Instrumental SESC Brasil é só acessar www.sescsp.org.br/instrumental

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