11 dezembro, 2011

As canções

O novo filme de Eduardo Coutinho, "As Canções" é daqueles bem despretensiosos, e talvez por soar como uma continuidade do belíssimo "Jogo de Cena", utilizando-se da mesmíssima fórmula, pareça um pouco mais do mesmo. Saí do cinema com um certo ar de insatisfação, como se esperasse muito, mas muito mais dos personagens anônimos que ali cantaram suas histórias. Percebi, porém, que o que me atraiu até aquela sala escura para de novo conferir o trabalho de Coutinho não foi o filme em si, mas o assunto, a possibilidade de ver na música uma janela da alma das pessoas. A história toda contida nos 18 personagens que passam por aquela cadeira, em frente do entrevistador, é aquela em que acredito desde que me conheço por gente: que a música é onipresente e que por meio dela podemos viver e reviver momentos plenos, décadas, séculos inteiros, cheiros, cores, sensações, emoções, um toque, um gesto, um sentimento.
Pela música é possível nos reconhecermos. Um dos personagens do filme, o Queimado, diz bem isso: "como uma pessoa consegue lembrar de algo se ela não tem uma música"? E é engraçado que não precisa ser cantor, músico, artista, poeta, para saber disso. A cada personagem, o mesmo ritual na hora de cantar. Uma tossidinha para tirar o pigarro da garganta, os olhos se fecham, a voz se imposta, o semblante muda como se baixasse um santo, um personagem, um outro ser dentro de cada uma daquelas pessoas e a música emergisse, não importando se desafinada, ou bem interpretada, ou uma cópia do cantor ou cantora, com seus trejeitos e vibratos e afetações. Naquele momento mergulhamos na experiência da canção, sem nos preocuparmos com o ridículo.
Os motivos pelos quais gostamos de uma música, ou nos apaixonamos por ela, ou a elegemos como "a música de nossas vidas"podem ser vários, e, na maioria das vezes, isso passa longe do acorde bem construído, do verso lapidado, da originalidade, da contemporaneidade, ou seja lá qual seja o critério estético ou artístico. Às vezes amamos uma canção simplesmente porque alguém a quem amamos muito gostava dela, ou porque foi trilha sonora de um momento de que sentimos saudade, ou nos acompanhou durante um momento difícil. A primeira "música" de que me lembro eram os sons das cordas do violão sendo afinadas pelo meu pai. Toda vez que ele pegava o violão a primeira coisa que fazia era sempre a mesma sequëncia de notas e eu me perguntava: "por que ele sempre toca essa mesma musiquinha?". Depois fui descobrir que a "musiquinha"eram as cordas do instrumento, mi - la-re-sol-si-mi, sendo afinadas uma a uma...Quando assisti a uma entrevista da Elis Regina dizendo que foi cantar porque tinha muito som dentro dela eu me identifiquei pacas porque, desde bem pequena, lembro de ter sempre uma música ou um som dentro de mim, me acompanhando em cada momento do meu dia, nos bons e nos ruins. E esses sons podem ser desconhecidos, criações minhas, ou músicas que ouvi alguém cantando...Sei de canções inteiras que não faço ideia do nome, nem do autor e nem como aprendi. Só sei que as sei, talvez de tanto ouvir minha mãe cantando.
Meu nome é nome de música, então poderia até considerar "Lígia"a música da minha vida. Mas acho mais justo dizer que tenho "músicas da minha vida", pois a cada momento vivido uma nova trilha se apresenta. Se fosse cantar no filme do Coutinho, não saberia que música escolher. Talvez algumas dezenas de músicas do Jobim, outras tantas do Chico, "Canteiros", do Fagner, uma das primeiras música que aprendi a cantar quando era criança...Ou alguma do meu pai. Fora as canções minhas que nem sei que cara têm, mas que sinto, estão aprisionadas em algum lugar dentro de mim.
Falando de estética, cinema, o filme do Coutinho não é lá O Filme. Perto de "Jogo de Cena", soa mais como uma daquelas continuações de filmes do tipo "o retorno" ou "a missão" que a gente sempre fica achando que devia ter parado no primeiro. De qualquer forma, o documentário só evidencia uma certeza: a de que, por mais insensível, por mais desligado de música que alguém seja, sempre, sempre mesmo haverá uma canção que fará com que este alguém feche os olhos e se transporte a um mundo imaginário ou já vivido, como uma espécie de máquina do tempo.

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