09 janeiro, 2012

A dor-de-cotovelo elegante de Nana

Um homem com uma dor é mais elegante, já diria Leminski. Ouvindo Nana Caymmi eu diria que uma voz com uma dor é muito mais elegante. Não sei se Nana se dói quando canta, mas a impressão que tenho, toda vez que a ouço, é que ela tem o privilégio de poder chorar todos os amores do mundo na sua voz, uma voz visceral, que explode, mas não grita, que enche o ambiente, mas sempre impregnada de um veludo grave de contralto que não agride, acaricia. Algo diferente de tudo. Único. Saído da forma única de que foram feitos todos os Caymmi, com suas vozes inconfundíveis com gosto de mar e maciez das areias da Bahia.
Com uns 15 anos eu já chorava ouvindo a Nana cantando boleros, com minha alma de velha, ou com minha memória afetiva de outras vidas? Vai saber. Com os meus 19, 20 anos, consegui convencer um amigo que dizia não gostar da Nana ao apresentar-lhe sua versão para "Siameses", música de João Bosco, faixa do álbum do compositor chamada "Comissão de frente". Com essa música a voz de Nana ficou tatuada na minha construção musical. Tive outros impactos fortíssimos com esta voz. Nada mais belo que "Medo de Amar", de Vinícius de Moraes, cantado por Nana. Casamento perfeito entre uma voz de diva e o talento de um compositor e arranjador mestre como Cristóvão Bastos em "Resposta ao Tempo". Todo dia, quando começava a minissérie "Hilda Furacão", meu coração disparava quando ela começava: "Batidas na porta da frente, é o tempo..."
Ontem assisti Nana pela segunda vez ao vivo, no SESC Vila Mariana. O típico show que a gente vai para ouvir exatamente mais do mesmo, mais do mesmo e saboroso repertório, e descobre que outras tantas pessoas estão ali para ouvirem exatamente a mesma coisa, e se transportarem para outros momentos, instantes, cheiros, cores, histórias de vida, emoções. Sim, porque nem só de novidade vive a música, e sim de fazer trilha enquanto a gente vive. Estava lá a diva às avessas, bocuda como sempre, falando o que lhe vinha à cabeça, contando histórias dos netos, se emocionando ao falar do pai, reclamando dos leques de renda, que não fazem tanto vento e que não a salvam do calor insuportável do palco. Estava lá a diva desfilando mais do mesmo delicioso repertório corta pulsos: "ah, eu não te amo porque quero, ah se eu pudesse esqueceria" ou "onde você estiver, não se esqueça de mim". E eu iria cobrar meu ingresso de volta se ela não cantasse "Só louco": uma música deste tamaninho, com uma mera estrofe, mas que é de se ouvir rezando, ou chorando, ou sentindo saudade de num sei o que.
Saí me perguntando se emoção, elegância, se bolero e samba canção, se isso está mesmo fora de moda, ou se é o mundo que ficou menos elegante. O que será de nós quando não mais houver Nana Caymmi?

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