17 janeiro, 2009

Conversas de salão

Não fosse a total incapacidade de fazer minha própria funilaria jamais iria a um salão de beleza. Ou talvez fosse, mas apenas quando quisesse entender de onde autores de novela tiram suas inspirações, ou rir um pouco em dia de bom humor,ou para ter matéria-prima para escrever alguma crônica.
Estão lá, num salão de bairro, daqueles ótimos para o bolso, porque gastam apenas metade da tintura e guardam o restante para o próximo retoque. Mas dizia eu que estão lá as três personagens:

Japonesa, na faixa dos 50, com as unhas dos pés e das mãos decoradas, com aquelas florzinhas, a unha do pé ligeiramente e irritantemente compridas, de Cuiabá - contou espontaneamente, sem que ninguém quisesse saber. Puxa o cabelo da gente quando penteia, tentando deixar meus olhos já levemente puxados parecidos com os dela. Investiga minhas origens, se nipônicas ou mestiças, aquele papo de sempre. Diz como meu cabelo é bom, ensina como lavar, como pintar, seca meu cabelo como um capacete.

A gorda, também na faixa dos 50 deixa escapar, ou melhor,derrama várias informações sem parar, entre elas a de que dava aulas, mas parece que agora é só manicure. Enquanto tira as sombrancelhas da freguesa, explica que a irmã raspou a sombrancelha da vizinha quando criança e hoje mantém duas taturanas acima dos olhos por causa do
trauma. Emenda no assunto que foi à loja de num sei quem e encontrou uma moça que devia ser louca porque de cabelo louro branco, em pele louro branca e sombrancelha emendada com um lápis e duas metades de um saleiro de metal como um pingente no pescoço. E diz que correu no banheiro pra rir e que a mulher é rica e o marido acha que é exótica, que chega de carrão igual à mendiga da rua jabaquara que finge que é pobre mas chega de carrão todo dia cedinho porque a manicure amiga dela viu. E ela gosta de tudo quanto é tipo de música, daquele tipo irritantemente eclético. E comenta,quando da investigação sobre minhas origens, que minha "beiçola" indica que eu devo ter pé na cozinha e que eu devo gastar um batom todo a cada maquiagem. Antes, reclama que o botão da calça dela, sobre um barrigão escultural, a está machucando e que ela tem dermatite de contato, repete dermatite de contato com a boca cheia, e aproveita pra contar que um dia foi a uma festa com uma bijuteria na orelha e a orelha pareceu um dumbo.

A manicure loira oxigenada, na mesma faixa dos 50, felizmente quase não fala enquanto mal cutuca minhas unhas. Funga muito porque está resfriada e ao final revela que gosta de ir no karaokê ou numa casa de ritmos nordestinos com as colegas.

E são duas horas em que meus ouvidos sofrem com preconceitos contra mulheres que optam por pendurar saleiros no pescoço, trivialidades sobre se o ator x ou y é ou não gay, o final da novela das 8, o melhor creme pra passar no cabelo, o que fazer para o almoço do dia seguinte, enfim, todas estas trivialidades de que o mundo inteiro é feito e das quais eu tento, em vão, fugir todos os dias.
Bem, vou indo pendurar os meus saleiros e traçar as minhas sombrancelhas e esquisofrênicas antes que a trivialidade da vida me pegue.

2 comentários:

Tatiana disse...

salão de beleza é um prato cheio para pesquisas sociológicas. eu morro de enfado. acho um saco e para a minha tristeza, tenho ataques de maluquice neles e acabo falando barbaridades, somente para chocar o povo.é incontrolável.
não sou cliente assídua de nenhum deles por causa disso.

Unknown disse...

salão de beleza é para ler, digo ver Caras, abstrair e abstrair. abstrair do salão, da fauna, da própria Caras e, se der, de si mesma.
fingir-se de patologicamente tímida, mal humorada ou doida costuma ajudar.