21 setembro, 2009

Um dia ainda sou cantor...


"No dia em que eu vim de casa cheirando à beira de rio
no pensamento umas asas pra cumprir melhor meu desafio
meu pensamento rodou, cortando torrão nesse trem, andando bem, acho que a mais de 100
de Maceió aqui, parece ali
Um dia ainda sou cantor, faz um ano que te disse brincando
eu fui pensar no meu amor, agora tô aqui quase chorando"


Eu devia ter uns 15 anos quando ouvi esse som, chamado "Jogral", num disco do Djavan que meu pai me deu de presente. Fiquei vidrada na música, na ginga, no swing, e na forma como era difícil a divisão do "cortando o torrão nesse trem", como se a letra pegasse carona nos vagões do trem e desse um solavanco em um determinado momento da viagem, balançando sobre os trilhos do compasso. Eu amava Djavan - não o pop, mas o que cantava Maria das Mercedes, e Jogral, esse som aí de cima. Até que eu descobri que a música não era só dele mas também de um tal de Filó Machado. Tempos depois, escarafunchando, descobri num vinil emprestado do guitarrista Zé Roberto Vital - a única pessoa que podia ter discos de Hélio Delmiro, Medusa e Filó Machado num raio bem grande na região de Mogi Guaçu, onde nasci. Fiquei absolutamente paralisada quando ouvi o cara cantando, e tocando, e improvisando. E suas composições???? Era como se o cara cantasse e tocasse e compusesse do jeitinho que eu sentia a música dentro de mim. Vibrante, brincando com a canção, com umas harmonias tortas, bonitas, tensas...
Fiquei revoltada do cara não ser conhecido do grande público.
Pois bem, em mais um dos privilégios com os quais Deus tem me presenteado ultimamente, tive o absoluto prazer, na verdade uma verdadeira catarse mesmo, ao assistir o Filó Machado em um bar de jazz aqui de São Paulo, numa quinta-feira, com uma amiga querida que ama jazz e que é uma das poucas com quem posso sair para realmente OUVIR música. Fiquei estarrecida com o show do cara. E mais feliz ainda porque vi um garoto que eu conheci há alguns anos em Tatuí, o João Paulo Ramos Barbosa, detonando no saxofone ali, do lado do mestre. Fiquei orgulhosíssima de conhecer o João e de estar assistindo sua evolução junto a esses feras. A banda se completava com o aqui já citado e espetacular Vitor Cabral na bateria, Carlinhos Noronha no contrabaixo e Fábio Leandro no piano.
Música pura! Aquela energia entre os músicos que eu tanto prezo. Filó pregando peças nos músicos, inventando arranjos na hora, tocando músicas não ensaiadas, visivelmente não ensaiadas. Deixando os músicos da banda literalmente assistindo sua performance só voz e violão, entortando tudo na harmonia, umas músicas bem elaboradas, não só música, mas também letra. Nas notas mais agudas, e para falar melhor o discurso da letra, ele tira as mãos do violão e as projeta para o alto, como se quisesse dizer "gente, prestem atenção nisso". Filó é técnica, sim, mas muito mais coração. Quebradeira total, misturada com sensibilidade.
Enfim, pra quem não sabe quem é Filó Machado, algumas informações: o cara é de Ribeirão Preto, de 1951, mas vive em São Paulo. Começou tocando e cantando em banda de baile e depois como crooner e instrumentista em casas noturnas paulistanas. Na década de 70 trabalhou como nomes como Rosinha de Valença, Leny Andrade, Alcione, Simone, entre outros. Na década de 80, participou do disco Seduzir, de Djavan, com a música Jogral, e se apresentou com ele e com a cantora e compositora Fátima Guedes. Ao longo dos anos vem ganhando cada vez mais respeito de toda a classe musical, tendo atuado ao lado de músicos como Roberto Sion, Arismar do Espírito Santo, Léa Freire, Lula Galvão, Hermeto Pascoal, sem contar nomes internacionais como o gaitista Toots Thielemans. Sua discografia soma pelo menos 10 álbuns. O último trabalho é "Ubida", que conta com a participação de músicos do porte de César Camargo Mariano, Gabriel Grossi e Romero Lubambo. Um luxo!

Um comentário:

Marina F. disse...

que tudo....não o conhecia.
adorei!