Nem bem outono, já sinto o inverno

Aquela mesma brisinha gelada, aquele mesmo céu azul e o mesmo sol ardido, e as mesmas folhas caídas no chão. O mesmo sentimento do ano passado, e do retrasado. Um medo do surto, um surto de frio no coração, de vento gelado batendo no peito, derrubando tudo, todas as certezas, as que vivem dentro e as que vão sendo construídas, toda a calma, todo o equilíbrio. Nem bem é outono e já sinto o inverno. No ciclo das estações minha alma parece também circular: tempo calmo, tempo revolto, brisa quente, macia, brisa fria, cortante. O calor conhecido, seguro, o frio incerto. Todas as angústias penduradas em minhas árvores, cuidadas para que não destruam meus galhos, parecem se precipitar contra o chão, tais como as folhas da paineira de frente à chácara dos meus pais, que fica pelada, pura madeira, com ramos em riste apontando para o alto. Nem bem é outono e sinto frio, ainda suportável, mas com aquela brisinha fria chata, que entra pela manga da blusa, gela o pescoço, os dedos das mãos e dos pés. Sinto vontade de me recolher e sonhar embaixo de minhas cobertas,as de pano, as feitas de gente, de abraços e carinhos, as cobertas da minha casa, da minha música, dos meus amigos. Sinto uma vontade de que a estação mude logo, uma ansiedade para que o frio cesse e floresçam novos tempos, nova primavera, com as minhas folhas verdinhas e as flores de mim de novo cobrindo os galhos da minha vida, tornando-os menos feios e áridos, voltando a fazer com que eu acredite e sonhe e pare de fazer contas, refletir e achar que, de novo, várias coisas estão erradas. Mas dessa vez não. Quero crer que não passe de uma sensação, como a sensação térmica enganosa que sentimos quando bate um frio. Na verdade a temperatura nem está tão baixa assim e Deus costuma dar o frio conforme o cobertor. Ao menos é o que dizem. Só me resta aquietar meu coração.